O CÓDIGO CIVIL E AS DECISÕES DOS TRIBUNAIS - A MUDANÇA DE REGIME DE BENS
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O Código Civil e as decisões dos Tribunais – A mudança de regime de bens.
José Fernando Simão
Caros amigos leitores, 2006 se inicia e conforme a solicitação de inúmeros leitores, iniciamos uma série de artigos para comentar decisões emanadas de Tribunais a respeito do Código Civil de 2002, mormente em suas questões polêmicas.
Quando do início da vigência do diploma em 11 de janeiro de 2003, muitas vezes explicávamos matérias polêmicas e concluíamos que a questão só será resolvida com as decisões dos Tribunais. Na verdade a espera valeu e começou a render proveitosos frutos.
Temas controvertidos começam a tomar forma nos julgados, mesmo que estes não possam ser considerados definitivos, pois a construção da jurisprudência se dá após longa e cuidadosa análise repetida de diversos temas. O que faremos então, não será comentar jurisprudência, mas sim julgados interessantes que, podem ou não, confirmar, no futuro, o acerto de determinada tese doutrinária.
A primeira decisão que comentamos diz respeito à questão da possibilidade de mudança de regime de bens para aqueles casados na vigência do Código Civil de 1916. Isso porque o Código de 1916, em seu artigo 230, previa a irrevogabilidade do regime de bens adotado pelos nubentes e, portanto, o regime era absolutamente imutável. Assim é que o legislador brasileiro de 1916, diferentemente do alemão (parágrafo 1432), e do suíço (art. 180), adotou o sistema da imutabilidade do regime de bens após o matrimônio. Isto significava que, uma vez ajustado um regime de bens e celebrado o casamento, aquele não mais se modificava.
Já o artigo 1639, § 2º, do Código de 2002, em sentido totalmente oposto, adota a mutabilidade do regime e permite a sua alteração “mediante autorização judicial, em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.
Problema surge com relação àqueles casados durante a vigência do Código Civil de 1916 em razão do artigo 2039 das disposições transitórias do Código Civil de 2002 que determina que o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido.
Entende parte da doutrina que, em razão deste dispositivo, somente as pessoas casadas após 11 de janeiro de 2003 poderiam pleitear o regime de bens.
No artigo de MARÇO DE 2005 da Carta Forense explicamos os equívocos desta posição, por confundir as regras específicas dos regimes de bens com as regras gerais referentes a todos os regimes.
Esclarecemos a nossos leitores que o mandamento contido no artigo 2039 apenas determina que para aqueles que se casaram antes da vigência do novo Código Civil:
a) no regime da comunhão universal de bens, valem as regras contidas nos artigos 262 a 268 do código revogado,
b) no regime da comunhão parcial, as regras dos artigos 269 a 275,
c) no regime da separação as regras dos artigos 276 e 277,
d) e, por fim, os que se casaram no regime dotal, as regras dos artigos 278 a 311.
A regra da mutabilidade contida nas disposições gerais dos regimes se aplica a todos os casamentos, sejam eles celebrados antes ou depois da vigência do novo Código Civil.
O Superior Tribunal de Justiça, em decisão de 23 de agosto de 2005, como voto do Ministro Jorge Scartezzini, decidiu o seguinte:
1 - Apresenta-se razoável, in casu, não considerar o art. 2.039 do CC/2002 como óbice à aplicação de norma geral, constante do art. 1.639, § 2º, do CC/2002, concernente à alteração incidental de regime de bens nos casamentos ocorridos sob a égide do CC/1916, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido, não havendo que se falar em retroatividade legal, vedada nos termos do art. 5º, XXXVI, da CF/88, mas, ao revés, nos termos do art. 2.035 do CC/2002, em aplicação de norma geral com efeitos imediatos.
2 - Recurso conhecido e provido pela alínea "a" para, admitindo-se a possibilidade de alteração do regime de bens adotado por ocasião de matrimônio realizado sob o pálio do CC/1916, determinar o retorno dos autos às instâncias ordinárias a fim de que procedam à análise do pedido, nos termos do art. 1.639, § 2º, do CC/2002.” (REsp 730.546/MG, QUARTA TURMA, julgado em 23.08.2005, DJ 03.10.2005 p. 279)
Em análise detalhada da matéria, refuta o acórdão a chamada interpretação literalista do artigo 2039, pela qual regras gerais e especiais dos regimes de bens seriam as do Código Civil de 1916 para os casamentos celebrados sob sua égide. Cita o julgado o suporte doutrinário de NELSON NERY JUNIOR e de ARNALDO RIZZARDO.
Entretanto, acolhe a decisão a teoria pela qual as regras a que se refere o artigo 2039 são apenas e tão-somente àquelas previstas especificamente para cada um dos regimes de bens e conclui:
“Ao revés, as normas gerais concernentes aos interesses patrimoniais dos cônjuges na constância da sociedade conjugal, previstas nos arts. 1.639 a 1.652 da novel legislação civil, na medida em que contêm princípios norteadores dos diversos regimes particulares de bens, aplicar-se-iam imediatamente, alcançando tanto os casamentos celebrados sob a égide do CC⁄1916, cujos regimes de bens encontram-se em curso de execução, como, por óbvio, os pactuados sob o CC⁄2002”.
Segue a decisão exatamente nossa opinião. Injusto seria apenas mencionar o acerto de nosso entendimento de acordo com o julgado que se comenta sem a menção daquele cujos ensinamentos nos permitiram tais conclusões.
Foram as lições do mestre e amigo EUCLIDES DE OLIVEIRA que lançaram luzes a trevas aparentemente intransponíveis. Desde a vigência do novo Código Civil esclarecia o Professor o alcance restrito da regra contida nas disposições transitórias (“Alteração do Regime de bens no casamento”, in Questões controvertidas, v. 1, Editora Método, 2004). Assim, com acerto, permitiu o Superior Tribunal de Justiça em decisão inédita e pioneira a alteração do regime de bens para um casal que convolara núpcias em 1995, ou seja, sob a vigência do revogado Código Civil.